A final do Campeonato Mineiro de 2022 pode ser considerada icônica por uma série de motivos. Um deles, contudo, diz respeito à fórmula de disputa: o torneio volta a ser decidido em apenas uma partida. Entre formatos distintos, com quadrangular e hexagonais finais, pontos corridos e 18 finais seguidas com jogos de ida e volta, a competição estadual não é decidida em jogo único há quase 32 anos.
A última decisão desta maneira, assim como em 2022, foi entre Atlético e Cruzeiro, os grandes rivais de Belo Horizonte e Minas Gerais. O ano era 1990, e o antigo Mineirão foi o grande palco da final. Outra coincidência para este ano: o Gigante da Pampulha também ficou dividido ao meio, com uma metade de atleticanos e a outra de cruzeirenses (veja a ficha técnica desta partida ao fim desta reportagem).
Com cerca de 100 mil torcedores presentes, segundo relatos da época, em um anoitecer de domingo, o Cruzeiro chegou à decisão do Mineiro de 1990 após vencer o primeiro turno do estadual. O Atlético foi o ganhador do segundo, e ambos se classificaram para a grande final única do Mineiro.
Assim como em 2022, o Galo buscava o tricampeonato mineiro em 1990 - após conquistas em 1988 e 1989. A tentativa, contudo, acabou frustrada. Liderado pelo meia-atacante Careca, autor do gol da vitória celeste aos dez minutos do segundo tempo, quando já era noite no Mineirão, em BH, o Cruzeiro quebrou a sequência atleticana e se sagrou campeão mineiro pela 24ª vez.
O Superesportes procurou alguns personagens daquela partida, que escreveram a história. Lateral-esquerdo do Atlético de 1986 a 1996, Paulo Roberto Prestes se lembra da partida e prefere abordar o lance do gol como uma falha coletiva. Careca se aproveitou de um escanteio pela direita, cobrado pelo ponta esquerda Édson, e também do goleiro alvinegro Rômulo, que errou o tempo de bola ao sair do gol e não contava com o cruzeirense na pequena área para completar com uma cabeçada para o gol aberto, mesmo com pouco ângulo.
"Estava um jogo muito equilibrado, lá e cá. Lógico, estava o Careca no Cruzeiro, arrebentando, o time era bom, e acabou em um gol de escanteio. Infelizmente, houve uma falha, prefiro dizer falha coletiva ali no escanteio, na marcação, e tinha ali um jogador iluminado do Cruzeiro na época, a realidade foi essa", afirmou Paulo Roberto, campeão mineiro por cinco vezes com o Galo - 1986, 1988, 1989, 1991 e 1995.
"Foi um jogo muito equilibrado. O Cruzeiro tinha um bom time, o Atlético estava em uma reformulação de time, buscava o tricampeonato, conseguiu dois com o Jair Pereira e em 1990 já era o Arthur Bernardes com a gente. Acabou que o Cruzeiro tirou nosso tricampeonato, mas alguém tem que ganhar, e na época tínhamos muita dificuldade, muito diferente de hoje. Na minha época, não tinha um ano de salário em dia, o Atlético não tinha estrutura, não tinha campo para treinar, a gente pegava ônibus de um campo aqui, um campo ali. Uma estrutura muito difícil, precária", contou.
Herói do Cruzeiro naquele jogo, Careca relembrou o lance do gol do título. O jogador, que jogou pela Raposa de 1987 a 1990 e em 1994, disse que imaginava a falha da defesa do Galo para definir ao gol.
“O jogo foi equilibrado. No segundo tempo, o Édson, nosso ponta esquerda baixinho, bateu escanteio com pé trocado, e eu observei que os jogadores estavam trombando. Veio na minha mente que a bola ia passar do Rômulo e ia cair no segundo pau. Do jeito que pensei, saí da confusão e a bola chegou na minha cabeça, já estava preparado. E eu saí vibrando, naquela confusão, pois fazer um gol em um clássico e decidir um título, a torcida ficou eufórica e a do Atlético chateada, o que é normal no futebol, tudo na paz”, disse.
“O clássico por si só mexe, e o público é bem maior também, dividido, é uma motivação a mais. Foi uma partida que concentramos bem, preparamos, porque sabíamos que era jogo único e que tínhamos chances de surpreender o bicampeão Atlético. Concentramos nos treinos, nas conversas, até chegar bem no clássico”, acrescentou.
Lateral-direito do Cruzeiro naquele jogo e atleta da Raposa de 1986 a 1991, Balu lembra da vitória e da conversa dos cruzeirenses para aquela final. O defensor destaca que, na década de 1980, o Atlético era o clube com equipes mais fortes e melhores resultados em Minas, enquanto o time celeste não repetiu o sucesso dos anos 1960 ou 1970.
"Nessa época, quem vivia um momento bom era o Atlético. Mas a gente ganhou em 1987, e em 1990 a gente buscou, e foi aí que o Cruzeiro recomeçou de vez. Nesse jogo, sabíamos que eles vinham com mais títulos, um pouco mais favoritos, mas esse clássico aí é até difícil falar. Nós falamos isso demais, Ademir, o nosso capitão, falávamos que se a gente entrasse com vontade, os caras iam ter que nos engolir. Foi o que fizemos ali dentro de campo. Eles tinham uma melhor época do que a gente, mas fomos melhores, um título que foi importante para a sequência do Cruzeiro", afirmou Balu.
Um dos meias do Galo naquela noite em 1990, Marquinhos lamenta a falta do título em 1990, mas relembra que o Atlético vinha de duas conquistas consecutivas. O ex-jogador, que jogou no clube de 1985 a 1991 e também em 1997, celebrou o fato de uma final única de Mineiro, também entre Cruzeiro e Atlético, ter a presença das duas torcidas dividindo o Gigante da Pampulha.
"Infelizmente, o Rômulo deu esse azar de ter calculado errado a distância da bola. Mas agora, já naquela época, o jogo era decidido no detalhe mesmo. Para você ver, o Cruzeiro acabou ganhando em uma bola parada, detalhe ali de um erro nosso, e acabou ganhando. Mas eram muito iguais os jogos neste momento ali. Como sempre, Atlético e Cruzeiro é no detalhe. Lembro do campo lotado, e agora vai voltar de novo 50% a 50%, muito legal as duas torcidas torcendo. Para a gente não foi um bom resultado, mas acontece, a gente vinha do bicampeonato e perdemos o de 1990", afirmou.