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Coluna Jurídica Gazeta - 14/09/2023



A hermenêutica e o combate ao solipsismo e ao decisionismo


Letícia Bartelega Domingueti.


Mestra em Direito com ênfase em Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Autora da Obra "Decisões Judiciais Incongruentes - Uma análise hermenêutica da utilização dos princípios nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal". Professora de Direito do Consumidor do Curso Preparatório para OAB da Escola Mineira de Direito. Mentora de Direito Civil e Constitucional da Mentoria Forense. Advogada, sócia fundadora do escritório: "Bartelega Domingueti - Advocacia e Consultoria". Membro julgador do Tribunal Regional de Ética e Disciplina da OAB/MG. Presidente da Comissão de Direito de Família da 20ª Subseção da OAB. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela instituição de ensino Anhanguera Educacional.



Quando se fala sobre decisões judiciais, fala-se sobre a proteção trazida pelo Estado Democrático de Direito quando da possibilidade ou observância de violação de direitos dos indivíduos. Tais decisões tem o condão de restabelecer o direito e consequentemente trazer segurança jurídica. Porém, em um cenário em que tais decisões são consideradas solipsistas e estão repletas de pamprincípios, para a superação faz-se fundamental a compressão do tema.

De acordo com Lenio Streck1, o pamprincipiologismo teve origem complexa, veio da simplificação da tentativa de superação do velho positivismo e, por ser muito utilizado nos casos difíceis, acaba por ser usado como uma “solução” no momento da decisão, a fim de que seja possível tomá-la.

Inúmeros princípios são utilizados com tal finalidade. Streck, em seu texto “O pamprincipiologismo e a flambagem do direito”2, cita o princípio da humanidade, princípio da nulidade do ato inconstitucional, princípio da não surpresa, absoluta prioridade dos direitos da criança e do adolescente, da afetividade, do processo tempestivo, e tantos outros que servem para o fortalecimento do pamprincipiologismo. Tem-se aqui um rol exemplificativo de inúmeros princípios criados para embasar as mais diversas decisões totalmente despidas de fundamentação3.

O pamprincipiologismo relaciona-se diretamente a uma fragilização da autonomia do direito. Assim, se princípios são normas, então são deontológicos, ou seja, são normativos.4 Observa-se, então, que a utilização de princípios de forma incorreta faz com que, na realidade, esteja-se diante de decisões com a total ausência deles. Isso porque, princípios, quando utilizados de forma correta, são aplicados a todos os casos, indistintamente.

A questão aventada e amplamente discutida nos livros de hermenêutica se concentra na facilidade com que os princípios aparentam ser aptos a revogar uma regra jurídica5. Fala-se aqui sobre segurança jurídica e sobre os riscos trazidos pela ausência de tomada de decisões de forma correta.

A hermenêutica jurídica insere-se nesse contexto a partir do giro ontológico-linguístico, buscando encontrar um caminho no direito que esteja além de essência e consciência6. Ela não é apenas uma teoria de conhecimento, mas também um campo especulativo que vai aos poucos conquistando sua autonomia7.

A hermenêutica parte de se compreender, aprender e descobrir o sentido de uma norma, interpretar conceitos jurídicos e princípios, atribuir sentido àquilo que antes não se compreendia. É, também, conhecer melhor o direito como um todo, trazer significado para os vocábulos, atribuir sentido8. É com base na hermenêutica que se torna possível chegar a resposta correta de um caso apresentado ao poder judiciário. Isso porque ela é fundamental à garantia de que o objetivo da norma, no que se refere à segurança jurídica, seja alcançado.

Nesse contexto, compreender e lutar contra o solipsismo judicial faz-se imprescindível. “Do latim solus (sozinho) e ipse (mesmo), o solipsismo pode ser entendido como a concepção filosófica de que o mundo e o conhecimento estão submetidos estritamente à consciência do sujeito”9.

Isso quer dizer que o solipsismo é, de certa forma, resultado da própria modernidade, ou seja, derivado do paradigma metafísico que encontrou na subjetividade do homem o ponto de fundamentação última para todo o conhecimento sobre o mundo. Trata-se de um fundamentum incossum absolutum veritatis, um fundamento definitivo e indubitável que sustenta todo o conhecimento possível, encontrando a sua morada, a partir das Meditationes de Prima Philosophia de Descartes, na subjetividade individual do sujeito.10

Assim, o que se busca quando um cidadão necessita utilizar-se do poder judiciário para analisar eventual violação de um direito seu, “não é a opinião do julgador, mas uma resposta do direito como instituição”.11

Busca-se, com tais análises, contribuir com o estudo a respeito das decisões judiciais e das consequências advindas a partir dela, vez que decisões coerentes e íntegras são fundamentais para que seja possível falar em segurança jurídica no Estado Democrático de Direito.

A segurança jurídica deve ser o centro do nosso ordenamento jurídico, partindo-se de conceitos de coerência e integridade e também do ideal da resposta correta definida por Ronald Dworkin. Quando se fala sobre decisões judiciais, fala-se sobre a garantia de que, quando violados, os direitos dos cidadãos possam ser readquiridos e respeitados.

Julgadores possuem a função de garantir que nenhum indivíduo perca qualquer um de seus direitos. São eles os responsáveis por garantir a aplicação de princípios constitucionais a todos os casos que chegam ao Poder Judiciário. Assim, a ausência da tomada de decisões de maneira adequada faz com que não se possa falar em segurança jurídica, algo fundamental em uma sociedade democrática.

Garantir a aplicação correta da norma, também garante a vivência em uma sociedade equânime e segura.

REFERÊNCIAS

DOMINGUETI, Letícia Bartelega. Decisões Judiciais Incongruentes – Uma Análise Hermenêutica da Utilização dos Princípios nas Decisões Proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Dialética, 2021.
1 DOMINGUETI, Letícia Bartelega. Decisões Judiciais Incongruentes – Uma Análise Hermenêutica da Utilização dos Princípios nas Decisões Proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Dialética, 2021.
2 STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do Direito. Belo Horizonte (MG): Letramento, 2017, p. 274.
3 STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do Direito. Belo Horizonte (MG): Letramento, 2017, p. 273.
4 FERREIRA, Rafael Alem Mello. O projeto inacabado de uma teoria da decisão judicial: de Habermas a Streck, na luta por decisões democráticas. Belo Horizonte: Dialética, 2019, p. 172.
FERREIRA, Rafael Alem Mello. O projeto inacabado de uma teoria da decisão judicial: de Habermas a Streck, na luta por decisões democráticas. Belo Horizonte: Dialética, 2019.
STRECK, Lenio Luiz. O pamprincipiologismo e a flambagem do direito. Conjur – Coluna Senso Incomum, 10 out. 2013. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-out-10/senso-incomum-pamprincipiologismo-flambagem-direito. Acesso em: 10 ago. 2021.
STRECK, Lenio Luiz. Compreender direito – hermenêutica/ Lenio Luiz Streck. - 1 ed. – São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019, p. 25.
STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: 50 verbetes fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2020.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11. ed. Ver., atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014, p. 427.
SÓRIA, Thiago Melosi. Assistência jurídica integral e justiça gratuita nos conflitos individuais do trabalho. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2011. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-28052012-151827/publico/Thiago_Melosi_Soria_ME.pdf. Acesso em: 17 set. 2021.
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