Foto Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Em Porto Alegre, os bairros ao norte estão alagados há mais de 20 dias. Na região metropolitana, tornou-se comum ver pessoas improvisando acampamentos em barracas ou carros estacionados no acostamento das rodovias. São famílias inteiras que, ao deixarem suas casas inundadas, buscaram refúgio em locais próximos por medo de saques.
Silvano Soares Fagundes, de 28 anos, catador de material reciclável e morador da Vila Santo André, no Humaitá, zona norte da capital gaúcha, relata: "Subimos para cá no dia 3 de maio e, na primeira noite, já estavam saqueando as casas, roubando fios, botijões de gás e motores de geladeira." Ele, sua esposa, duas filhas e vários vizinhos montaram um acampamento com lonas, barracas e carros em um acesso da BR-116 próximo à Arena do Grêmio. Agora, cerca de 40 pessoas formam uma comunidade de desabrigados, parte das quase 600 mil pessoas fora de casa em todo o estado.
O barulho e o movimento dos veículos na pista são constantes. Sem poder trabalhar na reciclagem, Hariana Pereira, de 30 anos, o marido e os quatro filhos dormem no furgão antes usado para transporte de materiais. "Aqui tem um banheiro químico, mas é precário. Muitas pessoas vêm ajudar, mandam remédios, água, é o que está garantindo a sobrevivência. O governo não manda nada. Esperávamos ser cadastrados no programa Volta por Cima, mas ninguém apareceu", lamenta. Hariana foi até sua casa, quase encoberta pela inundação, mas não teve coragem de começar a limpeza. "Tudo está destruído, nada se salvou. O que a água não levou, os saqueadores pegaram. Então, preferimos ficar aqui."
Sobre voltar para uma área alagável, Hariana diz não ter escolha e culpa as autoridades. "Foi negligência. Os diques romperam por falta de manutenção. Isso poderia ter sido evitado."
Para Silvano Soares, reconstruir o pouco que tinha será difícil. Inscrito no Cadastro Único de Programas Sociais (CadÚnico), ele espera ser um dos 200 mil beneficiários do Auxílio Reconstrução, cujo cadastramento pelas prefeituras começou nesta semana. "Vai ajudar muito, se o dinheiro chegar, porque não tem como começar do zero."
Outra razão para as pessoas preferirem a rua aos abrigos é a separação familiar. "Não quisemos ir para o abrigo. É melhor ficar aqui. Nos abrigos, estão separando os pais das crianças", diz Cristina Sodré Linhares, de 24 anos, também catadora de recicláveis. Ela espera que o poder público envie equipamentos para remover o entulho dos galpões de reciclagem no bairro.
Perto dali, na BR-116, no bairro Farrapos, o casal Gilson Nunes Rosa e Claudia Rodrigues explica que não foram para o abrigo para não se separarem, incluindo o cachorro. "Não queríamos ficar separados e correr o risco de perder nosso cachorro", diz Claudia. "Estamos vivendo de forma desumana, em barraca. Enquanto não secar, não temos como fazer nada", comenta Gilson, que também está sem trabalho.
Jorge Barcelos dos Santos, motorista de frete, viu seu carro ser alagado e não sabe se poderá usá-lo novamente. "Dentro de casa, a água chegou a 1,95 metro. O caminhão de frete, meu ganha-pão, foi completamente coberto de água." Sua esposa, Maria Elisa Rodrigues, explica que montaram uma barraca quase em frente à casa, sob o viaduto, separados apenas por uma rua ainda alagada.
A catástrofe revelou uma vulnerabilidade socioeconômica comum entre os que optaram por acampar na beira da estrada. Mapas do Núcleo Porto Alegre do Observatório das Metrópoles destacam a desigualdade de renda nas áreas mais afetadas. "As áreas alagadas são, principalmente, as mais pobres, próximas aos rios", afirma André Augustin. O impacto é maior sobre a população negra, que representa cerca de 21% do estado, concentrada em bairros como Humaitá, Sarandi, Rubem Berta em Porto Alegre, e Mathias Velho em Canoas.
Fonte: Agencia Brasil
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