
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com um recurso contra a decisão que absolveu a Samarco, a Vale, a BHP e os demais réus envolvidos no rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG).
O MPF contestou o argumento da juíza federal Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, responsável pela absolvição, que afirmou que as provas apresentadas não foram suficientes para identificar quais ações individuais contribuíram para a tragédia.
O procurador da República, Eduardo Henrique de Almeida Aguiar, que assinou o recurso, argumentou que grandes crimes ambientais não são causados por uma única pessoa, mas sim pela atuação de uma estrutura organizacional complexa.
"É com este paradigma que deve ser analisada a responsabilidade individual nos delitos praticados no seio de grandes empresas, de estrutura complexa, como a Samarco, buscando identificar as pessoas naturais que falharam em suas competências permitindo o rompimento da barragem de Fundão", diz um trecho do recurso.
Na opinião do procurador, o MPF demonstrou que as omissões de todos os réus agravaram o risco da operação da barragem. Entre as falhas apontadas estão a falta de estudos sobre a suscetibilidade à liquefação, o surgimento de trincas e a não correção do eixo de um dos diques da barragem, conforme recomendado por especialistas.
Outro trecho do recurso afirma: "A interrupção ou desativação da barragem assim que foram identificados seus problemas estruturais (ou até mesmo a correção do eixo e a construção de uma berma mais resistente, com base em uma metodologia que leva em conta a condição não drenada, como sugerido pela sentença) teria evitado ou, pelo menos, reduzido consideravelmente a probabilidade do desastre, ou, ao menos, o teria postergado."
O MPF solicitou a revisão da sentença e a condenação de todos os réus – as três mineradoras, a consultoria VogBR, que certificou a estabilidade da barragem, e seis executivos e técnicos.
Em nota, a Samarco afirmou que "a decisão da Justiça Federal brasileira reflete a defesa e os fatos apresentados no processo, confirmando que a empresa sempre agiu de acordo com a legislação vigente."
A Vale declarou que a decisão da Justiça Federal "reforça que a empresa atuou dentro da legalidade e com respeito às normas ambientais."
A BHP optou por não comentar o recurso.
Contexto:
Nove anos após o desastre, que resultou na morte de 19 pessoas, destruiu comunidades e modos de vida, e contaminou o Rio Doce, a juíza federal substituta Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho considerou que os documentos, laudos e testemunhos apresentados "não esclareceram quais condutas individuais contribuíram" para a tragédia e que a dúvida "deveria ser resolvida em favor dos réus."
Evolução do processo criminal:
Novembro de 2015: A barragem de Fundão se rompe em Mariana, liberando cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. A lama atingiu córregos, destruiu comunidades como Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, alcançou o Rio Doce e chegou ao Oceano Atlântico. Dezenove pessoas morreram.
Maio de 2016: O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide que a Justiça Federal deve julgar as ações criminais sobre o desastre, resolvendo um conflito de competência, já que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal haviam iniciado investigações, enquanto a Polícia Civil de MG também havia aberto inquérito.
Outubro de 2016: O Ministério Público Federal (MPF) denuncia 22 pessoas e as empresas Samarco, Vale, BHP e VogBR pelo rompimento da barragem. As denúncias incluem homicídio qualificado, inundação, desabamento, lesões corporais graves e crimes ambientais. A VogBR foi acusada por apresentar laudo ambiental falso.
Novembro de 2016: A Justiça Federal de Ponte Nova aceita a denúncia do MPF, e 26 denunciados se tornam réus.
Julho de 2017: A Justiça Federal suspende o processo criminal após a defesa dos réus alegar que escutas telefônicas utilizadas foram feitas de maneira ilícita.
Novembro de 2017: O processo criminal é retomado.
Abril de 2019: O Tribunal Regional Federal da 1ª Região retira a acusação de homicídio e lesão corporal contra todos os réus. As 19 mortes foram consideradas consequência da inundação causada pelo rompimento.
Setembro de 2019: A Justiça rejeita a denúncia contra oito pessoas da alta cúpula da Samarco. Ao todo, 15 denunciados foram retirados da lista de réus.
Novembro de 2023: Os 11 réus restantes são interrogados pela Justiça Federal de Ponte Nova – incluindo as quatro empresas, além de Ricardo Vescovi de Aragão, Kleber Luiz de Mendonça Terra, Germano Silva Lopes, Wagner Milagres Alves, Daviely Rodrigues Silva, Paulo Roberto Bandeira e Samuel Paes Loures.
Novembro de 2024: A Justiça Federal absolve todos os réus.
Comments