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Sobre meu pai - Por Valéria Tavares Rabelo


Imagem que é a caricatura do meu pai, ele mesmo fez, uma espécie de auto-retrato


Era Brasília, era hora de lavar roupa e o apartamento inteiro tremia em ritmo de batucada. Eram meados dos anos 90 e durante aqueles meses, só nós dois: ele e eu. Minha irmã estava no intercâmbio nos Estados Unidos, meu irmão, na faculdade em Belo Horizonte e minha mãe, recém chegada no Céu. Era sábado e meu pai gostava de tomar uma cervejinha no final da manhã, num boteco na Asa Norte onde existia um tal jogo da palavra. “Hoje não vou jogar, vou comprar uma máquina de lavar nova”. “Ótimo! Estávamos mesmo precisando”. Quem costumava voltar da rua por volta das duas da tarde, nesse dia, chegou eram quase cinco.

Tocou a campainha, abri a porta, lá estava ele, meio turvo, sorridente, com uma caixa de papelão comprida erguida nos braços. “Pai, o que é isso? Você não ia comprar uma máquina de lavar?” “Ia, mas vi um teclado em promoção. Estava mais barato”.


Eu já tinha mais de vinte anos, sabia das habilidades do meu pai no violão, mas nunca soube que tocava teclado. Até nesse outro dia de manhã quando acordei com um bossa nova instrumental ressoando na sala. Surpreendente! Esse é o meu pai. Quando levantei da cama para conferir de perto e… o teclado.. estava tocando… sozinho! Sim, depois houve estudo, seguido de algumas apresentações mas que aos poucos, foram raleando até sumirem de vez. Na medida em que os meses seguiam, aquele instrumento imponente parecia reafirmar cada vez mais seu real propósito: roubar a cena da decoração da nossa sala de visitas.

Hoje todos já se foram: meu pai, o teclado e o delicioso apartamento na Asa Sul em que um dia, fomos tão felizes. O que ficou foi a vontade de permitir à memória eternizar com profundo prazer, as verdadeiras bonitezas desta vida.



Valéria Tavares Rabelo é varginhense por parte de mãe, camposgeraiense por parte de pai, belorizontina por natureza e brasiliense de coração. Seu pai, Hamilton, trabalhou no Congresso Nacional até 1996.

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