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Alerta Digital - 20/05/2023



Efeitos da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 51 para a obtenção internacional de dados e comunicações eletrônicas


Crimes são condutas humanas previstas em lei e que ofendem o ordenamento jurídico-penal em razão de grave afetação a bens jurídicos relevantes. Quando tais condutas ocorrem na internet ou contra um sistema computacional, temos um crime virtual, eletrônico, digital, cibernético.
Ao criar um perfil falso em uma rede social com o objetivo, por exemplo, de enganar uma criança e obter fotos de sua intimidade, o bem jurídico penalmente protegido que foi violado é o da dignidade sexual. Se alguém envia uma mensagem contendo um vírus (malware) para o computador ou celular da vítima e obtém o controle telemático de seu dispositivo informático, há aí grave afetação à liberdade individual da vítima e contra a inviolabilidade dos segredos.
Em uma sociedade livre, justa, solidária e segura, tais ações não são aceitáveis e necessitam de consequências jurídicas. Uma vez noticiadas, precisam de uma resposta estatal (único ente autorizado a realizar a justiça penal), rápida e adequada. Ocorre que para que essas e outras condutas semelhantes possam ser devidamente punidas, o Poder Judiciário depende de uma prévia investigação criminal, donde se origina o princípio homônimo de que trato na obra Investigação Criminal Cibernética: por uma política criminal de proteção à criança e ao adolescente na internet. Nasce o dever de apurar o fato, sem o qual resta apenas insegurança e desordem social.
No meio cibernético, todavia, investigações podem ocorrer para apurar fatos que foram iniciados ou concluídos em grandes distâncias, sob a regulação de distintas legislações. Decorre então a necessidade de envolvimento de diferentes jurisdições, uma vez que cada país possui regras próprias sob as quais seus cidadãos estão sujeitos. Caso uma determinada nação possua uma lei que autoriza uma conduta, não poderá cooperar com outra que a considera como criminosa.
Em mundo interconectado, globalizado e sem fronteiras, é extremamente importante que os Estados-nação possam conversar entre si, estabelecer acordos e espaços de regulação em comum. E essa denominada “cooperação internacional” é ainda mais essencial quando se fala em crimes cibernéticos, uma vez que essa investigação demanda busca, preservação e obtenção de dados e comunicações em ambiente computacional, de forma célere, mas cuidadosa, respeitada a cadeia de custódia, as quais, muitas vezes, estão disponíveis em jurisdições distintas.
O tempo em processo penal é muito relevante, com efeitos, por exemplo, na prescrição da pretensão punitiva estatal, causa de extinção da punibilidade. Tal regra, aliás, bem que pode ter sua inspiração no capítulo 3, versículo 1 do livro de Eclesiastes: “Há um tempo para cada coisa debaixo do sol, tempo de plantar, de colher, de nascer, de viver e de morrer...”. Enfim, há tempo até para encerrar as investigações dos crimes mais graves. Ao saudoso águia de Haia, Rui Barbosa, atribui-se a frase: se tarda, não é justiça.
Em investigações cibernéticas, o tempo pode ser a diferença entre ter um caso ou aceitar seu arquivamento, em face da sempre iminente possibilidade de perda de evidências digitais essenciais à elucidação da autoria e da materialidade delitiva, com todas as suas circunstâncias.
Ciente de tais circunstâncias, no mês de fevereiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve a oportunidade de proferir decisão na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 51, ocasião em que reconheceu a possibilidade de solicitação direta de dados e comunicações eletrônicas das autoridades nacionais a empresas de tecnologia, desde que preenchidas as especificações previstas em leis e convenções internacionais.
A Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional), autora da ADC 51, pretendia que as autoridades somente pudessem obter tais dados por meio de MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty), tratados de assistência jurídica mútua em matéria criminal, formalmente utilizados para obtenção de provas localizadas em territórios estrangeiros, mas que nem sempre são céleres o suficiente para as necessidades das investigações em meio digital, alguns casos podem, inclusive, demorar anos. Na prática, essa morosidade implica em reconhecer que o bem jurídico penalmente protegido tem menor valor que o procedimento para a sua proteção.
A decisão da Suprema Corte na ADC 51, reconheceu que o art. 11, da Lei 12.965, de 2014 (Marco Civil da Internet brasileira) determina a submissão das empresas de tecnologia à legislação brasileira nas operações de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, dados pessoais ou comunicações, desde que possua representação no país ou forneçam serviço para o público nacional.
Doravante, as autoridades nacionais poderão fazer solicitações diretas às sedes das empresas de tecnologia no exterior, sem necessidade de intermediação judicial prévia, em grande parte das investigações.
É importante ressaltar que a decisão foi acompanhada da recomendação ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo para que adotem medidas que aprimorem o quadro legislativo pátrio, discutindo e aprovando o projeto da Lei Geral de Proteção de Dados para fins penais (LGPD Penal) e promovam a celebração de novos acordos bilaterais ou multilaterais, ex vi do Acordo Executivo definido a partir do Cloud Act, (Clarifying Lawful Overseas Use of Data Act), lei aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos, em 2018, para lidar com os desafios relacionados ao acesso a dados eletrônicos armazenados no exterior e que tem por objetivo facilitar as investigações criminais em nuvem.
Trata-se de um avanço significativo, pois segue essa tendência internacional ilustrada no Cloud Act e promove um maior equilíbrio entre a proteção dos direitos individuais dos cidadãos e a necessidade de investigação e combate aos crimes cibernéticos, inclusive, em questões relacionadas à segurança nacional.
Ao reconhecer a legalidade e constitucionalidade da atuação das autoridades brasileiras para requisição direta de informações às empresas de tecnologia sediadas no exterior, o STF não apenas torna eficaz uma grande parte das investigações, até então fadadas ao insucesso dos morosos processos burocráticos que lotam escaninhos governamentais, como viabiliza a busca pela obtenção de evidências e provas relevantes para a solução de graves casos criminais em andamento.

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