Demitida após agressão do ex-companheiro, servente é reintegrada ao trabalho com base na Lei Maria da Penha
gazetadevarginhasi
há 4 dias
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Divulgação
Justiça do Trabalho determina reintegração de servente demitida após sofrer violência doméstica.
Decisão considera Lei Maria da Penha e destaca obrigação do poder público de proteger servidoras em situação de risco.
Uma servente escolar de Belo Horizonte será reintegrada ao cargo após ser demitida por justa causa, mesmo estando sob proteção legal devido a um episódio de violência doméstica. A decisão foi proferida pela juíza Ângela Castilho Rogêdo Ribeiro, da 14ª Vara do Trabalho da capital, e confirmada por unanimidade pela Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG).
A magistrada considerou que a dispensa violou garantias previstas na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que completou 19 anos nesta quarta-feira (7). O artigo 9º da norma assegura a manutenção do vínculo trabalhista por até seis meses para mulheres em situação de violência doméstica.
O caso
A trabalhadora, aprovada em concurso público em 2019, relatou que deixou de retornar ao trabalho após o período de férias, em janeiro de 2021, por temer a presença do ex-companheiro, que a agrediu e ameaçou após invadir sua casa. Ela havia se mudado com os filhos – dois pequenos e um adolescente – após constantes episódios de perseguição.
Diante da agressão, a servente registrou boletim de ocorrência e obteve medida protetiva. Por receio de ser abordada no trabalho, pediu transferência de posto. A direção, por mensagem, orientou que ela aguardasse em casa novas instruções. No entanto, semanas depois, a servente foi notificada por telegrama a justificar as ausências presencialmente e, na sequência, dispensada por justa causa, sob alegação de faltas não justificadas.
Justa causa invalidada
A empresa alegou não ter recebido nenhum documento oficial que justificasse as ausências e citou episódios anteriores de indisciplina. Mas, para a Justiça, os fatos indicam o contrário. Segundo a juíza, as faltas estavam justificadas pela situação de risco e a empresa teve ciência da agressão, orientando a trabalhadora a permanecer em casa. Ainda assim, suspendeu o pagamento de salários e formalizou a demissão semanas depois.
“O correto seria encaminhá-la a atendimento médico ou psicológico para obtenção de atestado, e então iniciar o procedimento para auxílio-doença”, afirmou a magistrada, apontando que a empresa agiu à margem da legislação ao dispensar sem um processo administrativo disciplinar adequado.
Poder público tem dever de proteger
A decisão também destacou que a empregadora é parte da administração pública indireta e, portanto, deveria ter adotado medidas internas de proteção, como a remoção de local de trabalho, conforme previsto em lei. A ausência de contraditório e ampla defesa fragilizou ainda mais a validade do ato de dispensa.
“O poder público pode remover servidores para garantir a unidade familiar. Mais ainda, deve fazê-lo para proteger a vida e integridade física de mulheres em situação de violência”, reforçou a juíza.
Teoria dos motivos determinantes
A sentença ainda foi fundamentada na teoria dos motivos determinantes: se um ato administrativo é motivado, sua legalidade está condicionada à veracidade dessa motivação. Para a juíza, a alegação de desídia não se sustenta diante das provas. Por isso, o ato foi declarado nulo.
Com isso, a Justiça determinou a reintegração da trabalhadora ao cargo de servente, em posto compatível e com a mesma remuneração, sob pena de multa diária de R$ 100. A empresa também deverá pagar salários, férias, 13º e benefícios retroativos à data da dispensa.
TRT-MG confirma decisão
A empresa recorreu, mas a Terceira Turma do TRT-MG manteve integralmente a decisão. Para o relator, desembargador Milton Vasques Thibau de Almeida, a empresa agiu com descaso diante de uma situação de violência doméstica. “É dever da sociedade e do poder público proteger essas mulheres. A legislação prevê, inclusive, acesso prioritário à remoção e manutenção do vínculo de trabalho”, destacou.
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