Por que jovens suecas estão adotando o estilo de vida sem trabalho?
gazetadevarginhasi
6 de dez. de 2024
4 min de leitura
A Suécia é reconhecida mundialmente por suas políticas de igualdade de gênero, mas um novo movimento entre as jovens suecas está gerando debate: a escolha de abandonar o mercado de trabalho, celebrada por meio das redes sociais.
Vilma Larsson, de 25 anos, já teve diversos empregos, como atendente de loja, cuidadora em um asilo e operária em uma fábrica. No entanto, há um ano ela decidiu parar de trabalhar para se tornar uma “namorada que fica em casa” e diz que nunca se sentiu tão realizada.
“Minha vida está mais tranquila. Não estou sofrendo. Não sinto tanto estresse”, afirma ela.
O namorado de Vilma trabalha no setor financeiro de forma remota e, enquanto ele fica em seu laptop, ela aproveita o tempo livre para ir à academia, sair para cafés ou cozinhar. O casal, natural de uma pequena cidade sueca, agora viaja frequentemente e está passando o inverno no Chipre. “Ele me dá um salário mensal, mas se eu precisar de mais, peço. Se precisar de menos, economizo”, conta Larsson. Ela compartilha sua rotina nas redes sociais, onde acumula 11 mil seguidores, e alguns posts têm mais de 400 mil curtidas, embora ela diga que não recebe dinheiro por esse conteúdo.
Vilma usa hashtags como #hemmaflickvän e #hemmafru (em sueco, “namorada que fica em casa” e “dona de casa”) e se identifica como uma "soft girl", uma mulher que adota um estilo de vida suave e mais delicado, em vez de buscar uma carreira profissional.
O conceito de "soft girl" se tornou uma microtendência nas redes sociais globalmente no final da década de 2010, mas na Suécia, país que há décadas promove políticas para incentivar famílias com dupla renda, a popularidade desse estilo causou surpresa e divisão.
A pesquisa anual Ungdomsbarometern, que mapeia comportamentos dos jovens suecos, identificou pela primeira vez, há um ano, que a tendência estava em ascensão entre as jovens suecas de 15 a 24 anos. Em outro estudo, divulgado em agosto deste ano, 14% das meninas de 7 a 14 anos se declararam soft girls. “É um movimento contra o ideal da 'girl boss', onde as mulheres se sentem pressionadas a ter sucesso em todos os aspectos da vida”, explica Johanna Göransson, pesquisadora da pesquisa.
Embora não haja números oficiais sobre quantas mulheres estão realmente deixando seus empregos e dependem financeiramente de seus parceiros, como Vilma, o debate sobre esse comportamento tem ganhado destaque, tanto nos meios de comunicação quanto nos eventos políticos da Suécia.
Gudrun Schyman, cofundadora e ex-líder do partido feminista Feministiskt Initiativ, considera essa dependência perigosa e um retrocesso para os direitos das mulheres. Ela aponta que as jovens suecas estão sendo influenciadas por uma onda de conservadorismo crescente, promovido pelo governo de direita e partidos nacionalistas, o que reflete uma virada ideológica na Europa e nos Estados Unidos.
Schyman acredita que as jovens de hoje não têm consciência do histórico de lutas femininas por direitos como o trabalho remunerado e a independência econômica. Do outro lado do espectro político, o partido Democratas da Suécia defende a escolha de cada indivíduo de viver como preferir, incluindo a decisão de depender financeiramente do parceiro, caso tenha a possibilidade.
As discussões também giram em torno de fatores sociais e culturais que podem estar influenciando essas jovens a buscar um estilo de vida mais leve e sem trabalho. A Suécia é conhecida pelo bom equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, com seis semanas de férias anuais para a maioria dos trabalhadores e uma carga horária reduzida, mas ainda assim, a pesquisa indica aumento do estresse entre os jovens, levando alguns à “demissão silenciosa” — tendência de trabalhar apenas o mínimo necessário.
A Geração Z, que cresce influenciada por conteúdos de lazer e bem-estar nas redes sociais, parece estar mais interessada em atividades como exercício e cuidados pessoais do que em perseguir uma carreira. Para essas jovens, a vida no escritório parece cada vez menos atraente.
No entanto, muitos questionam se essa tendência reflete um retrocesso nas políticas de igualdade de gênero da Suécia. Embora o país tenha uma alta taxa de mulheres empregadas e um bom equilíbrio entre trabalho e família, as mulheres ainda assumem uma maior parte das responsabilidades domésticas e familiares. Além disso, elas tiram 70% da licença parental e são mais propensas ao esgotamento físico e mental no trabalho.
Vilma Larsson, que planeja ter filhos no futuro, afirma que a sua escolha de se tornar uma “namorada que fica em casa” foi influenciada pela observação do esgotamento de mulheres mais velhas, que lutam para equilibrar carreira e responsabilidades familiares.
A especialista em políticas de gênero, Peter Wickström, acredita que essa tendência reflete uma “reação” das jovens às altas exigências sociais e profissionais. Já Shoka Åhrman, economista, alerta para o impacto financeiro de optar por não trabalhar, especialmente em termos de aposentadoria, poupança e ganhos salariais ao voltar ao mercado de trabalho.
Embora não se espere que esse fenômeno tenha um impacto grande na economia da Suécia, Åhrman enfatiza que o debate sobre as soft girls pode ser um alerta para as políticas públicas e as empresas resolverem desigualdades ainda existentes, especialmente em relação ao esgotamento mental e emocional das mulheres.
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