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Coluna Alerta Digital - 16/05/2024




O direito fundamental à Internet e a complexidade

da cibercriminalidade


O progressivo aumento da convivência das sociedades no ambiente cibernético, ao ponto de perceber indissociavelmente integrado o acesso à rede mundial de computadores à vida cotidiana, justifica o paulatino destaque dado à discussão sobre se haveria aí uma nova categoria de direito fundamental a ser protegida em âmbito constitucional ou mesmo por princípios supranacionais.

Se há alguns anos, o papel de transmissão de informações fora exercido pelo rádio e, em seguida, pela televisão, a rivalidade atual com a velocidade das informações transmitidas por meio de fluxo telemático parece tender para estas, em especial pela facilidade que traz em relação à atualização em tempo real dos fatos mais essenciais e também das maiores banalidades que a interconexão entre as pessoas concretiza.

No que toca ao acesso à informação, nunca é demais recordar que, no Brasil, está expressamente a todos assegurado no artigo 5º, XIV, da Constituição Federal de 1988, como um direito e garantia fundamental, o que inclui a proteção do sigilo da fonte, quando necessária ao exercício profissional. Além disso, o art. 220, da Carta Magna protege “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo”, não sendo admissível a elaboração de norma que venha a afetar a liberdade de informação jornalística.

Não se pode olvidar que a Internet exerce na contemporaneidade um papel de extremo relevo no que toca ao direito à informação, o que implica em reconhecer que se caminha no sentido de garantir universalmente a igualdade de oportunidades ao conhecimento, independentemente da localização geográfica ou situação econômica. Ela possibilita participação mais ampla nos processos políticos e sociais, na medida em que mais pessoas conseguem se envolver com questões cívicas, fazer campanhas do sofá de casa, votar e até mesmo participar de consultas governamentais de forma online.

O acesso à internet pode impulsionar o desenvolvimento econômico, ao permitir a criação de novos negócios, a inovação e a competitividade no mercado global. Muitos empregos na atualidade dependem desse acesso, seja por serem essencialmente cibernéticos (não existem sem a tecnologia), seja porque o teletrabalho se tornou uma realidade rotineira para muitas famílias, empresas e governos.

A ideia de governo digital nunca se fez tão presente no cotidiano das pessoas e o Brasil não é uma exceção. Sem a Internet, muitos indivíduos ficariam verdadeiramente incapacitados de acessar serviços essenciais, como saúde, educação e serviços sociais.

Ainda que se possa falar em rincões que ainda precisam de condições materiais e objetivas para fazer uso da rede mundial de computadores, ter acesso à informação, usufruir de serviços essenciais e se situar no mundo, parece-nos que o problema maior não está mais na (in)existência, acessibilidade ou na atualidade da informação, mas no excessivo volume de dados, na qualidade e na veracidade do conteúdo disponibilizado, a exigir um complexo filtro, com o objetivo de evitar reinar o seu antônimo, a desinformação, ou mesmo crimes ainda mais graves.

Naturalmente, ao se pretender considerar o acesso à Internet como um direito fundamental, não se pode deixar de considerar alguns problemas fundamentais como a necessidade de garantir o acesso universal e igualitário em zonas rurais e áreas menos desenvolvidas. Projetos como o da Starlink, de Elon Musk, e do Google (Project Loon, Plus Codes, Google Station, Projeto Taara), podem colaborar decisivamente para elucidar essa questão, mas ainda há uma boa estrada a ser percorrida.

Outro ponto relevante, refere-se ao consequente aumento da regulação e do controle governamental acerca do acesso à internet, uma vez que seja considerado como direito fundamental, o que poderia afetar negativamente a liberdade de expressão e a privacidade online.

Apesar de eventuais problemas, a Finlândia foi o primeiro país a definir à acesso à Internet como um direito básico dos finlandeses (BBC News, 2010), o que implica reconhecer a dependência da infraestrutura do país à rede mundial de computadores, assim como a garantir o direito de velocidade mínima de acesso à internet a todos os seus cidadãos.

Seguiu o mesmo caminho, a Estônia que colocou o acesso à Internet no mesmo patamar de direitos fundamentais como a água e a luz, uma vez que a vida moderna não pode dispensá-lo. Na Estônia, aliás, pelo menos 99% dos serviços públicos estão disponíveis online de forma ilimitada, motivo pelo qual é considerada o país mais digital do mundo (Souza, 2020).

Esses são pontos de grande relevo. Todavia, ainda que as discussões sobre os prós e contras de se colocar o acesso à Internet como um direito fundamental sejam fundamentais e inevitáveis, não se pode jamais desconsiderar dessa equação a cibercriminalidade.

Quanto mais digitalizada a sociedade é, mais precisará conviver com a complexidade dos desafios da era digital, dentre os quais a natureza transnacional das condutas cibercriminosas, a exigir harmonização legislativa e reconhecimento de princípios supranacionais; o anonimato, que precisa ser protegido até certo ponto, como exteriorização do direito à liberdade de expressão e da privacidade, mas que não pode ser uma carta branca para a prática livre e massiva de crimes contra direitos humanos fundamentais.

A célere evolução das tecnologias de informação e comunicação, ao mesmo tempo em que pode ser traduzida em novos desenvolvimentos científicos e revelar descobertas essenciais em busca de um mundo melhor, podem ser motor do progresso ao retrocesso, com rápida desconstrução de importantes conquistas da humanidade.

O fato é que são muito distintos os níveis de recursos tecnológicos e humanos de que dispõem as nações, fruto da imensa desigualdade que ainda grassa em diferentes níveis e âmbitos, ao ponto de impedir que se pense em soluções de curto prazo para um mundo em que todos tenham acesso à internet, mas nem todos tenham capacidade de legislar, regular, controlar a Internet, detectar, analisar e responder a ataques cibernéticos, cada vez mais complexos, a exigir cada vez mais cooperação internacional.

À medida que se aprofunda a discussão sobre considerar o acesso à Internet como um direito fundamental, evidencia-se a complexidade e a multiplicidade de fatores envolvidos. O reconhecimento de tal direito transcenderia a simples provisão de conectividade, abordando questões de igualdade, desenvolvimento econômico e participação democrática. Contudo, não se pode ignorar os desafios técnicos, legais e éticos que tal reconhecimento impõe, especialmente em relação à garantia de um acesso justo e equitativo, ao aumento da regulação e ao potencial impacto na liberdade individual.

Enquanto se navega por esta nova realidade, a expansão do acesso deve ser acompanhada de esforços contínuos para assegurar a segurança, a privacidade e a liberdade na rede, de modo a garantir que a Internet seja uma força para o empoderamento e inclusão, e não de exclusão ou repressão.



Referências

BBC News. (2010, julho 1). Finlandeses passam a ter acesso a banda larga garantido por lei. https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/07/100701_finlandia_banda_larga_mv


Souza, R. (2020, janeiro 31). Estônia: Um país governado através da internet. Direito Digital Cast. Recuperado de https://direitodigitalcast.com/estonia/

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