A importância da Inteligência Cibernética no contexto global
Inteligência cibernética refere-se ao processo de coleta, análise e interpretação de informações relacionadas ao domínio cibernético. Este conceito abrange uma ampla gama de atividades e informações que são essenciais para entender e responder a ameaças e vulnerabilidades no espaço cibernético. Envolve a coleta de dados de uma variedade de fontes, como redes de computadores, sistemas de informação, e até mesmo fontes abertas na internet, inclusive sobre ameaças cibernéticas, ataques, vulnerabilidades de segurança, e tendências emergentes em tecnologia e cibercrime.
A inteligência cibernética analisa as informações coletadas para identificar potenciais ameaças cibernéticas, como malwares, ataques de phishing, e outras formas de cibercrime. Busca, assim, compreender as motivações, capacidades e intenções dos atores de ameaças. Além disso, deve monitorar de forma contínua o ambiente cibernético para avaliar riscos e vulnerabilidades em sistemas e redes, no intuito de apoiar as organizações a entenderem onde estão mais suscetíveis a ataques cibernéticos e como podem fortalecer suas defesas.
Ao coletar dados e fazer análises de cenários, a inteligência cibernética é capaz de fornecer informações críticas que auxilia na tomada de decisões informadas sobre segurança cibernética, a exemplo de recomendações sobre mitigação de riscos, resposta a incidentes de segurança e desenvolvimento estratégias de segurança cibernética de longo prazo.
A prevenção de ataques cibernéticos e a resposta rápida e eficaz a esses incidentes depende de um desempenho eficiente dessa atividade, que busca, por meio do compartilhamento de informações e das melhores práticas, a identificação precoce de sinais indicativos de ameaças, com vistas a mitigar o impacto de um ataque em curso e promover efetiva segurança cibernética.
Para ilustrar a aplicação prática da inteligência cibernética, consideremos o caso de um ataque cibernético ao sistema de saúde britânico ocorrido em 2017 e atribuído ao ransomware WannaCry. A resposta a este ataque envolveu a rápida identificação e isolamento do malware, seguida de uma análise detalhada das vulnerabilidades exploradas. Esse incidente ressaltou a importância da inteligência cibernética não apenas em prevenir ataques, mas também em responder de maneira eficaz quando eles ocorrem, protegendo infraestruturas críticas.
O conceito de inteligência cibernética, como o entendemos hoje, evoluiu gradualmente com o desenvolvimento da tecnologia da informação e da internet. Apesar disso, não é possível afirmar um “marco histórico” único e definido que delimite sua origem e o início do uso da inteligência cibernética no Brasil ou no mundo. Todavia, é possível considerar que a criação da ARPANET em 1969, considerada a precursora da internet moderna, foi um passo fundamental. À medida que a tecnologia de redes evoluiu nas décadas de 1970 e 1980, surgiram novas oportunidades e necessidades para a coleta e análise de informações no espaço digital.
A partir das décadas de 80 e 90, com o aumento do uso de computadores pessoais e da internet, começaram a surgir os primeiros casos de crimes cibernéticos. Isso incluiu vírus, fraudes online e hacking. Esses incidentes destacaram a necessidade de métodos sofisticados para monitorar e combater ameaças cibernéticas. E a resposta veio com a criação e evolução de softwares antivírus, firewalls e outras ferramentas de segurança cibernética ainda nas décadas de 1980 e 1990, que representaram passos importantes na direção da inteligência cibernética.
O reforço de sua importância e imprescindibilidade podem ser atribuídos a graves incidentes de repercussão global, como o ataque do worm ILOVEYOU em 2000 e o ataque cibernético à Estônia em 2007, a indicar a importância de ampliação da proteção da segurança cibernética. E isso veio a ocorrer já em 2009, com o desenvolvimento de agências governamentais específicas para lidar com a temática, como o US Cyber Command (USCYBERCOM) em 2009, que pode ser tido como um reconhecimento formal da importância da inteligência cibernética.
Ao longo dos anos 2000, viu-se a implementação de leis e políticas relacionadas à segurança cibernética em vários países, o que contribuiu de forma decisiva para formalizar e estruturar a prática da inteligência cibernética, ainda que sua regulamentação encontre variações de acordo com o país e o contexto específico (governamental, corporativo, etc.).
Destaque-se, porém, a existência de algumas normas e padrões internacionais amplamente reconhecidos que orientam as práticas de inteligência cibernética, dentre elas: a) ISO/IEC 27001, norma internacional que fornece um framework para sistemas de gestão de segurança da informação (SGSI); b) NIST (National Institute of Standards and Technology) Framework, desenvolvido nos Estados Unidos para melhoria da segurança cibernética em setores críticos da infraestrutura; c) GDPR (General Data Protection Regulation), em razão de regulamentar a coleta e processamento de dados pessoais na União Europeia; d) Normas de Inteligência de Fontes Abertas (OSINT), relevantes para a coleta de inteligência cibernética a partir de fontes abertas, embora não sejam específicas para a cibersegurança.
É importante lembrar que muitos países têm suas próprias leis e regulamentos que governam a segurança cibernética e a privacidade de dados, a exemplo, nos EUA, de leis como a CFAA (Computer Fraud and Abuse Act) e a CCPA (California Consumer Privacy Act). Também estão relacionadas à inteligência cibernética as normas das respectivas jurisdições nacionais que tratam da capacidade governamental de realizar vigilância e interceptação eletrônica para fins de inteligência e segurança nacional.
Assume-se, deste modo, que a inteligência cibernética emergiu e cresce em resposta ao desenvolvimento da tecnologia digital e à crescente complexidade e frequência das ameaças cibernéticas.
Mais recentemente, o avanço de tecnologias em big data e inteligência artificial tem permitido uma coleta, análise e interpretação de dados cibernéticos mais sofisticada e em larga escala. A aplicação dessas tecnologias permite uma análise mais profunda e abrangente de grandes conjuntos de dados, melhorando a detecção de ameaças e a resposta a incidentes.
É inegável a relevância da inteligência cibernética como ferramenta capaz de traduzir a complexidade do ambiente de segurança cibernética para uma linguagem mais acessível, de modo a garantir que organizações, governos e indivíduos estejam mais preparados para protegerem-se contra ameaças cibernéticas e reagirem de maneira mais eficaz a incidentes de segurança.
A integração e atualização contínua de tecnologias emergentes é traço característico e marcante da inteligência cibernética e fundamental para manter sua eficácia frente às ameaças cibernéticas cada vez mais sofisticadas. Por outro lado, muito embora a ofereça ferramentas essenciais para a segurança digital, a excessiva vigilância eletrônica para fins de segurança pode inadvertidamente infringir a privacidade individual.
Apresenta-se, pois, como indispensável na luta contra as ameaças cibernéticas emergentes, e em prol da necessidade de evolução contínua para enfrentamento desses desafios. E certamente tem um papel decisivo na detecção e prevenção de ataques a bens jurídicos penalmente relevantes, o que inclui direitos humanos fundamentais.
Todavia, o uso da inteligência cibernética também exige um debate contínuo e uma análise criteriosa das práticas e políticas a ela relacionadas e uma reflexão sobre a necessidade de equilibrar segurança e outros direitos, como o de privacidade, especialmente em um mundo onde a coleta de dados se tornou onipresente.
O futuro da inteligência cibernética depende, pois, do equilíbrio entre o aprimoramento tecnológico e a consideração ética, com o fito de garantir uma abordagem holística e sustentável à segurança cibernética global.
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